terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Tempos de reflexão em Ezeiza, como comecei a fazer dinheiro pelo caminho, o quase fim trágico de uma grande conquista, 700km de carona, acampamento inusitado em Copina, skills de sobrevivência

Assim que cheguei na granja, o homem com quem eu havia falado por e-mail me acolheu e assim finalmente encontrei um canto tranquilo. O homem disse que era necessário acordar as 7 da manhã para o café e eu disse tudo bem. Tomei uma ducha bem quente e me livrei daquela noite de tormentas terríveis.

Despertei as 6:30, tomei um banho e pouco antes das 7:00 fiquei esperando na porta dos donos. Enquanto esperava saquei estas fotos.




Lugar lindo, não?!

Caia muita água, não havia internet e nem 3g porque meu crédito havia ido pra cucuia um dia antes quando liguei para que o homem abrisse o portão. Bom, não havia muito o que fazer e eu não queria incomodar ninguém então esperei. Esperei e esperei... depois de quase uma hora o homem aparece de cuecão e me diz para aparecer depois de uma hora, as 9hrs. Ótimo. Voltei pra cama, dormi mais um tanto e voltei as 9. Esperei meia hora e ele apareceu novamente com uma cara de poucos amigos (uma cara que eu teria que suportar por quase duas semanas) dizendo para aparecer as 10:30. Nessa hora eu já estava um pouco desesperado porque, tragicômico ou não, eu estava no meio do nada sem comunicação alguma com o mundo e pela maneira que ele me olhava, juro que pensava que era um daqueles centros de tortura para turistas HAHAHAHAHA.

Bem, voltei as 10:30, então tomamos café e comecei a falar que em princípio estava preocupado com o programa, pois havia encontrado alguns relatos horríveis de WWOOF, falando que as pessoas trabalhavam 10 horas por dia de segunda a segunda, que tinha medo de uma possível exploração e dei risada comentando do assunto... eles não riram.

Praticamente o rei da enxada! (ah tah)
Neste dia combinamos de começar a ensinar uma das filhas do casal a tocar violão. Ótimo, não sou um profissional, mas garanto que posso passar pelo menos algo do que sei. Perfeito. Em um dia de muita chuva não fiz muita coisa, apenas a aula e, em princípio, a garota parecia muito esforçada e com vontade de aprender. Para uma garota de 8 anos é algo realmente difícil tomar gosto pelo aprendizado da música, mesmo porque por mais que você tente, é impossível não ter nada de teoria.

Os dias de tormenta se acabaram, mas a nébula que cobria aquele lugar não estava nem perto de terminar. O homem queria que eu despertasse todos os dias as 7 horas da manhã e a próxima refeição era apenas as 13:30, não havia café e a próxima era a janta, que saia pra lá das 22hrs. O trabalho era pesado, mãos na enxada e tudo mais. Não ligo, pois já tive alguns trabalhos mais pesados. O que me preocupava era a quantidade de comida que estava comendo.

Não me sacrifiquei, acordava tranquilamente as 9hrs, tomava café e começava a trabalhar. Sinceramente, ficar 6 horas seguidas trabalhando com a mão na enxada sem comer definitivamente não é pra mim. Se rolasse uns rangos a mais para ter energia, beleza! Mas da maneira como estava, não rolava mesmo. O homem acordava com cara de cu e ia dormir com cara de cu, todos os dias. O que eu não definitivamente não entendia era como alguém conseguia manter tal mau humor por tanto tempo! Claramente eles não estavam prontos para receber pessoas na chácara.

Aparentemente a família cresceu muito e muito rápido. Haviam duas filhas, uma de 8 e outra de 1 ano e meio e partiram pra produção da terceira, porém veio em dose dupla e aí a coisa complicou. Como a mulher não poderia trabalhar por estar cuidando das crianças, sobrou tudo para o homem que estava segurando a bomba dando aulas de Yoga na chácara e de artes em algumas escolas da região. Um sonho que virou pesadelo. A mais velha estuda em uma escola particular da região e também lá se vai uma grana que teoricamente não existe, mas depois que conheci os pais dos donos entendi de onde vinha a pouca grana que entrava, além das aulas. Os pais de ambos claramente tinham boa grana e deram tudo para que ambos pudessem desenvolver algo, mas depois de umas boas sessões de terapia acabo por concluir que uma análise não pode ser feita assim tão superficialmente. Enfim, entendo muito bem a situação, mas isso não dá razão para chamar estrangeiros para exploração em suas terras.

Minha saúde estava horrível. Minha sinusite estava terrível e um dia mesmo muito fraco, com febre e dores no corpo, me pus a trabalhar com a enxada. Neste dia, como nos outros, comecei as 9 da manhã. Era 13:30 e nada do almoço. 14Hrs e nada do almoço. Então parei de trabalhar e comecei a mexer no celular. Estava cagado de fome e não tinha condições de trabalhar doente e com fome. O dono percebeu que eu não estava trabalhando, me viu sentado na grama e me disse:

- Seu trabalho não está sendo suficiente.
- Não?! Estou morrendo de fome e não vou trabalhar com fome. Não mesmo! Já estou há horas sem comer!
- Você precisa trabalhar como aqueles homens! - E apontou para uns pedreiros que estavam trabalhando na construção de uma nova parte da casa.


O detalhe é que eles saíam mais cedo do trabalho que eu e sempre almoçavam meio dia, além de obviamente estarem ganhando dinheiro, que é muito mais caro que manter um vegetariano com três refeições por dia. Para ele era muito cômodo ter alguém trabalhando de segunda a segunda fazendo trabalhos na terra e ainda, de boa vontade, querendo ajudar com estratégias de marketing. Depois que o homem disse isso, fiquei paranoico em pensar que meu trabalho não estava suficiente e então passei a desenvolver estratégias de marketing das mais várias maneiras.

Eles tem uma chácara linda, um espaço zen foda, animais e tudo mais, mas não sabem fazer grana. Tentei de mil e uma maneiras ajudar, juro. Disse que ensinaria a fazer algumas edições básicas de imagens e como fazer postagens no facebook e tudo o que eu recebia era uma cara incrédula de quem teria a mínima vontade de fazer o que eu propunha. Que energia ruim! Minha saúde não andava bem mesmo e em parte era por conta daquela energia pesada que pairava sobre aquele lugar.

Um dia estava comendo no almoço e perguntei se poderia pegar um pouco mais. A mulher disse que sim, fez questão que eu pegasse e colocou mais no meu prato. Perguntei se não havia problema mesmo e ela disse que não. Revisando aqui, eu perguntei mais de uma vez e ela disse que não haveria problema. Chegou a noite e com ela trouxe o dono. Durante a hora da janta, estava esbravejando que NÃO DEIXARAM COMIDA PARA ELE, que já não tem dinheiro suficiente, tem que pagar a escola da filha, os pedreiros... e olharam pra mim. Mas que merda! Estava me sentindo um lixo.

A filha não queria mais praticar violão, simplesmente abandonou o lindo instrumento que o pai (que sempre estava reclamando de dinheiro) comprou. A mulher não queria aprender a usar os programas de edição. Uma tarde tentei e foi uma catástrofe. Ao invés de pegar algo para anotar, não. Simplesmente olhava pouco interesse para o que eu estava dizendo, não anotava porra nenhuma e depois corria atrás de mim pelos campos perguntando como teria que fazer. Eu juro que entenderia melhor se tivessem saído de uma família de origem mais humilde. Juro mesmo. Mas não, não havia boa vontade para nada. Eu insistia que o que eu estava passando eram maneiras de otimizar o espaço que tinham, sem gastar nada! Ideias que envolvem organização e novos projetos que seriam maneiras de fazer eles ganharem mais grana, mas o que eu escutava era “já tentamos isso”, o que é decepcionante, pois se não há fé, já não adianta mais ter boa vontade da parte de quem quer ajudar. Não é “já tentamos isso” e sim “como fizemos isso e por quê não deu certo?” ou “vamos tentar de outra forma?”.

Eu dediquei minha vida a eles durante duas semanas. Nem nos finais de semana eu me safava. O lugar com civilização mais próximo da chácara ficava a 10km de onde eu estava. Era nada mais que um posto de gasolina, um subway e um lugar que vendia empanadas. As vezes eu saía pra ir até esses lugares pra sair um pouco daquele meio em que me encontrava. O lugar mais próximo para comprar alguma coisa era o Kiosko da Sandra. Uma das poucas pessoas que sorriam por lá.

Kiosko da Sandra :)
Como se não bastasse ter que trabalhar todos os dias quase 100% das horas, havia uma empregada da casa que me odiava. Claramente me odiava. Sempre estava reclamando algumas coisas comigo, não dava bom dia e ainda fazia cara feia pra mim a qualquer hora que me via.

Certo dia, por querer trocar uma ideia com meus amigos, pedi ao dono que assim que fosse ao centro da cidade, que comprasse crédito para meu celular, porque a única maneira que havia de usar internet, era chegar bem perto da casa deles, durante a noite, para conseguir usar o wifi. O problema é que, não sei porquê diabos, desligavam o wifi. Então eu tinha pouco tempo para enviar algumas mensagens ao meu melhor amigo no Brasil.

Enfim, entreguei 50 pesos para que ele pudesse comprar os créditos e eis que passou uma semana INTEIRA e ele disse que simplesmente não havia encontrado algum lugar para comprar os créditos. Sendo que em Buenos Aires é possível comprar em qualquer esquina. Claramente ele não queria comprar a porcaria dos créditos. Bom, um dia saí pra dar o rollet de bike até o posto (10km ida + 10km volta = adoro bike, de verdade, ainda mais quando se trata de encontrar liberdade e outras pessoas) e lá consegui comprar créditos, mas pouco adiantou porque o 3g pegava mal e porcamente na chácara, mas já era alguma coisa.

A pergunta é: por que diabos você ficou tanto tempo lá? Por quê?! Pode parecer masoquista, mas eu acredito que quando se está em algum momento muito difícil, é exatamente o melhor momento que temos para evoluir, saber lidar com os problemas. Em todos os momentos sorri, agradeci a comida, em TODAS AS REFEIÇÕES disse que a comida estava maravilhosa e ainda, antes de sair, deixei uma bela referência no livro de visitas para eles. Forcei a barra fazendo isso, mas só o fiz porque sei que nunca mais vou ver essas pessoas na vida e antes de deixar um registro negativo e gerar mais energia negativa ainda, deixei algo que tentasse fazer aquelas pessoas infelizes sorrirem. Me surpreendi com meu ânimo porque em duas semanas não me dei por vencido, levantei sorrindo e dormi sorrindo, fui educado todo instante e sempre me apresentei para todo o que necessitavam, sempre além do que eu supostamente deveria fazer. Penso que estas pessoas já tem muitos problemas pessoais para eu julgar mais mal ainda. Espero que um dia se encontrem e que fiquem bem.

Os dois que estão abraçando a mulher de verde são muito gente fina. Dois queridos que trabalham
fazendo shows com atrações de circo e viajam já tem uns bons 6 anos! Foram desde a Argentina
até o Alaska e agora estão preparando um tour na Europa. Legal, né?
Bom, assim que o dia em que eu disse que sairia chegou, saí correndo dali, não querendo olhar para trás porque toda aquela energia negativa finalmente não estava mais me acompanhando. No tempo em que fiquei lá fiquei mal da rinite ou da sinusite todos os dias. Simplesmente todos os dias. Raros eram os dias em que acordava livre de alguma congestão. Eu juro que não entendia o porquê. Saí dali e não necessitei nem mais tomar remédios. Tudo ficou lá. Nos meus próximos dias estava melhor de tudo. De saúde, recuperado os cinco quilos, feliz.

Meu próximo rumo era La Plata porque antes de seguir para Córdoba, queria muito passar mais um tempo com a Colpi, mas antes, óbvio que eu teria que parar mais um pouco em Buenos Aires. Minha terceira ida a Buenos Aires em pouco mais de um mês de viagem. Pra ver como a cidade é boa! Me impressiono quando as pessoas reduzem toda a cultura de uma cidade em poucos dias dizendo “não é necessário ficar mais que três dias em Buenos Aires”. Fiquei mais de duas semanas juntando todas as vezes que passei por lá e sinceramente achei pouco. É uma cidade que tem muito mais a desvendar do que os lugares turístico somente.

O que mais tenho curtido nesta viagem é conhecer como funciona uma cidade em outro país. Qual é a sua cultura, como são as pessoas, qual é o dia a dia dos que ali vivem. Bom, tenho um gosto forte por conhecer essa engrenagem onde vou. Fiquei apenas um dia em Buenos Aires, mas suficiente pra me despedir do meu grande amigo Marco (o italiano) e o Thiago (brasileiro). Fiquei na casa Thiago e de noite saí pra jantar com o Marco, um cara da alemanha que havia recém chegado na casa do italiano, um brasileiro, uma argentina e mais dois suecos. Como é maravilhosa a experiência de tantas pessoas de tantos lugares diferentes numa mesma mesa. Alguns só falavam inglês, outros pouco arriscavam um castellano tímido e ainda batia um papo em português com outro brasileiro da mesa.

Agora entendo a expressão “comeu tanto que parece que tava preso”. Na boa, vassorei geral. Comi até doer a pança e queria mais. Nunca mais queria sentir a sensação de ter que deixar um pouco da janta pra comer no café no outro dia pra conseguir trabalhar de barriga cheia. Ri a noite inteira e assim segui gordo e feliz pra La Plata novamente.

Importante citar aqui algo que servirá a todos os mochileiros que tem interesse de fazer grana ao longo do caminho. Desde que comecei a fazer grana, não mexi mais na minha conta do Brasil. Agora é uma reserva. Uma grana que vou usar pra emergências;

Estava um pouco preocupado com a questão da grana porque até onde eu contava, minha grana seria suficiente pra conhecer mais algumas cidades da Argentina e do Chile, mas minha vontade é ir além! Se possível, sonhando longe, seria bom chegar até a Colômbia e assim eu estaria bem feliz. Quando dizem que mochilar é algo que vicia, não tenha dúvidas, vicia mesmo. Minha intenção com estes relatos é provar que não é preciso ter muita grana pra viajar como muita gente pensa. Minha ideia é compartilhar o que estou vivendo para que vocês possam curtir também!

Minha primeira ideia foi sair pelos bares e restaurantes perguntando se precisavam de barman ou garçom, assim como eu faria no Brasil. Mas eu não estou no Brasil. Minha amiga disse que a cultura do freelance não funcionava ali e eu duvidei, mas dei com a língua nos dentes. A municipalidade simplesmente pesa na cabeça da galera para que o trabalho tenha um contrato com pagamento mensal. E não é igual ao Brasil onde certos lugares de Curitiba te contratam te pagando uma taxa diária para simplesmente vender a alma para o diabo. Tive o desprazer de trabalhar noites e noites em alguns bares exploradores de Curitiba. Gente que trabalha pra cacete e é humilhada. Mãe que tem outro trampo durante a semana escutando machismos por toda parte dos funcionários que trabalham junto e que por vezes aturam dos seus próprios chefes cantadas e brincadeiras sujas.

Na Argentina eles podem ganhar menos, mas tem horário pra entrar e pra sair e os donos dos estabelecimentos ao menos nesse ponto não são filhos da puta. Golaço dos hermanos!

Então pensei na opção 2 que era fazer algo pra vender. Primeiro pensei em fazer brigadeiro, mas quando vi o preço do leite condensado, caí duro. A lata pequena custa em média 30 pesos. 30 pesos é 1kg de doce de leite. Depois pensei em fazer cookies, mas açúcar mascavo é ultra difícil de encontrar. Já estava entrando em desespero quando a Colpi me disse que ensinaria a fazer a dita da chocotorta.

Quem é esse pokémon? Bom, para eu contar o que é a chocotorta, antes vou ter contar uma pequena história, na verdade um dos cases de marketing que mais me chamou atenção aqui na Argentina.

Um belo dia algum senhor muito desocupado e pouco criativo resolveu criar uns biscoitos achocolatados pra vender. Ele fez tudo muito bonitinho, criou a saborosa Chocolina e mesmo assim não conseguiu vender.

Por quê? Criar um produto como um biscoito de chocolate sem recheio assim e jogar no mercado, mermão? Não dá, né? Tem que ter um diferencial, se não morre na estreia. Eis que este pouco criativo senhor resolveu contratar um daqueles seres terríveis que fazem com que você, consumidor e cidadão, compre mais e, não sabe de que maneira, passa a consumir algo que na verdade antes você nem conhecia e nem precisava, e que agora é indispensável. Um consultor de marketing.

A maneira como foi convertido fracasso em sucesso é muito interessante. Este homem criou uma receita com base na Chocolina, criando a Chocotorta. Começaram a divulgar maneiras como deveriam fazer as Chocotortas, estamparam a receita na embalagem e sucesso. Este sucesso, em parte, também é conhecido como um dos maiores sucessos na Argentina: El dulce de leche.

O doce de leite é simplesmente um vício do Argentino. Essa deliciosa guloseima está presente em sorvetes, chocolates, cafés e em tudo mais de doce e gostoso que você possa imaginar.

“Ok Guilherme, agora me diga o que é a Chocotorta.” Papel e caneta na mão que aí vem a primeira receita que me ajudou um bom tanto com grana e que apesar de ter achado outra forma de fazer grana, esta é uma receita que deve ser realmente levada em conta.

CHOCOTORTA

Ingredientes

1 Chocolina
1 Doce de leite – 300g
1 Creme de leite – 300g
1 Xícara de café forte

Como fazer

1. Comece batendo o creme de leite até que fique com uma consistência mais firme e já não tão yogurte. Misture o doce de leite e bata os dois até que tomem boa consistência juntos. Reserve na geladeira.

2. Em um recipiente qualquer, da forma que você desejar, molhe bem cada biscoito de Chocolina e faça uma camada, forrando o fundo.

3. Despeje metade da mistura creme de leite/doce de leite sobre os biscoitos.

4. Mais uma cama de biscoitos molhados no café.

5. Despeje a outra metade da mistura sobre os biscoitos.

6. Leve ao congelador por duas horas.

Esta é a receita super básica. Vocês vão ver que ao longo da minha aventura fui aprendendo a aprimorá-la. Juro que ainda faço um vídeo explicando tudo!

Com esta receita e um bom papo consegui vender muito e conseguir uma boa grana pra seguir minha viagem em apenas poucos dias de venda e sério, com pouco trabalho a fazer. Aproveitei legal. Pra falar bem a verdade, estar com a Marcela me ajudou muito também. Quando se é vegetariano se gasta muito pouco, mas se está vivendo com alguém e cozinhando todo o tempo, se economiza mais ainda.

É claro que antes da receita por si só, é necessário dizer que estudei marketing e tenho larga experiência com vendas. Vou dizer alguns passos básicos para quem quiser seguir esta dica para viajar.

Um dos ditos mais clássicos e básicos do marketing é o segredo dos 4P's. Hoje este estudo já está muito mais desenvolvido e robusto, mas vou citar o básico desses 4 encaixando a teoria no que estava vendendo. Os quatro produtos são: Praça, produto, preço, promoção.

Produto

O que eu vendo? Essa é uma pergunta que tem que ser ao máximo especificada para que você tenha noção do que vende. Bom, eu vendo chocotortas. Por que eu vendo chocotortas? Minha ideia inicial era vender brigadeiro para os hermanos, já que aqui não tem. Qual foi o problema? O preço do leite condensado, a lata, é 30 pesos, o que é muito caro! Qual foi a solução? Adaptar meu produto. Com o estudo das receitas veio a chocotorta. Por quê? Tem doce de leite e é gelada. Como já disse antes, doce de leite é sucesso garantido na Argentina. Meu produto necessita manter gelado, e agora? Eu andava com uma térmica com 12 chocotortas e gelo. Como eu recém estava começando a vender, vendia só 20 por dia (veja o investimento/lucro em Preço), porque já levantava uma boa grana.

Chocotorta já é vendida na Argentina, então o que eu poderia fazer para diferenciar meu produto? Pensei em alguma adaptação que não alterasse tanto o sabor e que além de um toque no sabor pudesse me dar uma boa apresentação no produto. Morango aqui é barato e está em época, o que ajuda o preço a ficar mais barato ainda. Morango é uma fruta linda e gostosa, além de combinar muito bem com doce de leite. Começamos a vender assim:


Depois ideias vieram e evoluções surgiram:


Perfeito. Tenho um custo baixo com doce de leite barato, morango barato, um produto gostoso e com boa apresentação. Algo que já tem aqui, mas com um belo dum diferencial devido ao fator morango.

Preço

Eu estava em uma cidade universitária onde a maior parte da população é jovem que mora sozinho, e que geralmente recebe uma grana dos pais. É um público com poder aquisitivo, então isso influencia no meu preço e também na minha praça. Eu gastava, por chocotorta, 6,5 pesos inicialmente e depois consegui encontrar alguns lugares mais baratos que baixaram o custo do meu produto para 6 pesos. Como estipular um preço? 10 pesos é nota que todo mundo tem, mas me daria apenas 4 pesos por produto. 15 é um preço relativamente alto, mas não para esta cidade. Joguei meu preço pra 20 pesos para venda de uma ou duas por 30. A ideia era conseguir vender boas quantidades sempre em dobro e funcionou muito bem, além de muitas pessoas terem comprado por 20 mesmo.

Investia 120 pesos e tinha de 200 a 250 pesos de lucro em poucas horas, no máximo 2 ou 3 em um dia ruim. Estava suficiente para o que eu queria fazer e não me cansava. Porque o importante era comer bem e fazer grana pra continuar viajando.

Praça

Qual é o lugar perfeito para vender meu produto? Como La Plata é uma cidade pequena e cheia de praças, facilitou a venda. Aqui na Argentina a maior parte da população toma mate e isso gera um comportamento social muito forte porque é normal você combinar de tomar um mate com um amigo na praça. Costume saudável e que dá uma segurada no alcoolismo da população.

[Aqui você chama seu amigo pra tomar mate, não cerveja. Achei genial porque como não bebo, percebo que a cultura do mate ajuda muito a interação sem álcool. No Brasil depois que parei de tomar álcool, as pessoas simplesmente pararam de me chamar pra sair porque meu círculo de amizades era composto por jovens, que em sua maioria, saem pra ver um amigo tomando uma cerveja. É claro que é uma visão superficial e sem demais estudos, apenas é como vejo como brasileiro que antes bebia e agora não bebe.]

Então as praças se tornaram um espaço perfeito para as vendas do meu produto. Eu precisava de tempo pra falar meu discurso para que pudesse criar um interesse na pessoa. Vender para as pessoas na rua que estavam andando e sempre fazendo algo não era jogo. Na praça as pessoas estavam relaxando, conversando, mais prontas a escutarem alguém que quer vender. Minha praça definitivamente era qualquer lugar onde as pessoas estivessem paradas, prontas para escutar. Vendi 90% das chocotortas nas praças ou em eventos públicos e somente 10% na rua com as pessoas andando ou esperando ônibus.

Promoção

Como eu promovo meu produto? Como ele chega ao ouvido dos meus clientes? O que eu faço para comover as pessoas a ponto de elas comprarem meu produto?

Eu tenho um discurso, um pequeno manual de vendas que me dá a ferramenta exata para que as pessoas possam de fato comprar. Analisem o discurso:

- Hola! Buenas tardes, yo me llamo Guillermo, soy brasileño y estoy recorriendo sudamerica vendendo chocotortas heladas con frutilla. Una por 20 o dos por 30.

Sucinto, sem muitas voltas, direto e com tudo o que era necessário. Eu via alguém parado ou sentado conversando, sacava a chocotorta antes de chegar a pessoa e assim que eu iniciava meu discurso, tinha as pessoas olhando fixamente para a chotorta. Enquanto escutavam, olhavam interessados. Quando você é alguém que está em outro país tendo que sobreviver por conta, tem que usar isso ao seu favor. Quando você diz que está viajando pela América do Sul vendendo chocotortas, isso é algo que, primeiro, não é comum, segundo, não é fácil e terceiro, é um ato admirável. Um produto lindo, parecendo apetitoso, gelado para refrescar os dias de calor e com um bom motivo para comprar. Poucas palavras, muitas armas.

Óbvio, o fato de você ser estrangeiro, ter cara de estrangeiro e estar falando de uma maneira engraçada o idioma de onde estiver, sem dúvidas são grandes chamarizes.

Utilize as redes sociais ao seu favor. Saquei fotos das chocotortas, como vocês já viram e postei no instagram e também no facebook da minha amiga boliviana que mora na cidade e tem vários contatos. O resultado foi não ter que nem sair de casa pra vender no último dia porque vendemos tudo por instagram e facebook. Confiram o resultado no instagram e no facebook:



Ok, vou um pouco além e falar do quinto P também que é interessante

Pessoas. Quem são as pessoas que podem comprar meu produto? Quem está mais apto a comer uma chocotorta? Crianças e casais são os líderes de compra dos meus produtos. Em um casal, eu precisava direcionar o discurso a mulher. Não é machismo, não tem nada a ver com isso. Em geral as mulheres tem a palavra final na compra (eu disse: em geral, por favor). Em quase 100% dos casos, os homens escutam atentamente e perguntam a esposa/namorada/amiga “Quer?”. Fazer uma por 20 e duas por 30 era perfeito para vender para casais. Além do discurso básico, para casais eu incrementava “Una por 20 o dos por 30, perfecto para quien está en pareja!” - pareja = casal.

Pessoas com crianças também são um alvo perfeito para as vendas da chocotorta! As crianças são como as mulheres nesse lance de venda. Eles praticamente decidem o que vai sair da carteira da mãe ou do pai. Crianças amam doces, ainda mais quando têm uma boa apresentação. Se tem uma
frase que aprendi com alguns amigos cozinheiros, é “A comida primeiro se come com os olhos”.

Outra em relação a pessoas. Seja sempre muito cordial. Sua cordialidade pode definir uma próxima compra dessa mesma pessoa! Muito melhor que ter que procurar pessoas para comprar, é ter pessoas que já compram seu produto. Assim você investe seu tempo em outras coisas, como por exemplo procurar mais clientes assim HAHAHAHA

Isso que disse é algo básico e superficial, mas dentro destes relatos de viagem, creio que possa servir como base para os que querem fazer grana ao longo da viagem.

Mas por pouco um problema representou uma imensa ameaça.

No último dia das vendas, ficamos o dia inteiro em casa, bem folgados. Tivemos várias encomendas por facebook/instagram e assim nem precisamos sair oferecendo. O problema é que ao sair de casa com as chocotortas, fui trancar a porta e meti a chave de maneira errada e zuei a tranca.

Desespero total por dois motivos:
1. Eu teria que sair dali no dia seguinte para viajar para Córdoba.
2. Contratar um chavei na madruga é ULTRA CARO e me comeria quase toda a grana que havia ganhado na semana.

Trágico.

Fomos com uma cara de cu terrível fazer as entregas e... pensar. Já havíamos tentado de tudo (que sabíamos) e nada. Estávamos com medo de quebrar mais ainda a tranca e foder com a porra toda de vez. Estávamos tristes de verdade. Uma lástima.

Na volta, pedimos ajuda a vizinha para escalar o apartamento e conseguimos entrar. O problema maior: como sair? Era o segundo andar e eu afinal de contas não podia sair da casa da guria logo depois de foder com a sua tranca “Muito obrigado por me ajudar a vender as chocotortas! Um abraço e boa sorte com sua fechadura!” Não, né?

Eis que tive a ideia de pedir ajuda a um amigo... youtube. Procurei um vídeo que ajudasse a abrir a porta e encontrei este vídeo:


Bom, o nosso problema era exatamente o que ele tinha falado, de quando a tranca trava por trancar errado. As trancas da Argentina são quase todas exatamente assim como está no vídeo! Já estávamos muito desesperados e resolvi fazer o que ele disse.

Este homem com coração de ouro deu a chave para a nosso problema (ba dum tss). Bingo, a porta abriu exatamente como o vídeo ensinou! Felicidade? ESTÁVAMOS RADIANTES!!!!!!!! Grana no bolso, porta aberta e tudo certo para seguir viagem!

Encontrei um blog que dizia exatamente como seria bom para pegar carona saindo de Buenos Aires seguindo para Córdoba e me deparei com este blog:

http://viajandoporahi.com/cronica-de-dos-principiantes-haciendo-dedo

Relato que encontrei:

"Transporte 1: el 57 al peaje de Pacheco
Los Acróbatas nos recomendaron ir al peaje de Pacheco y salir a dedo desde ahí, así que nos subimos al colectivo y cuando le preguntamos al chofer si nos podía bajar en el peaje nos dijo que no (y no tuvo piedad). Una señora que estaba sentada en el primer asiento nos vio con las mochilas y nos preguntó, emocionada, a dónde íbamos. Le contamos que queríamos ir a dedo a Córdoba y nos dijo, efusiva (mientras me agarraba la mano): “¡Ay mi amor! ¡Qué lindo!” y, por lo bajo, ” Qué poco gaucho este chofer… Ojalá encuentren mucha solidaridad en el camino, que es lo que hace falta. ¡Buen viaje!”. El conductor nos bajó a varias cuadras del peaje y nos dejó cerca de una estación de servicio a la salida del Tortugas Shopping. Más perdidos que enano en manifestación (?) nos pusimos a la salida la estación de servicio y extendimos el pulgar sin demasiada convicción y sintiéndonos un poco ridículos (por lo menos yo). En menos de 5 minutos frenaron tres autos. “¿A dónde van chicos?”. “A Rosario”. Todos iban a Escobar. Nos subimos al tercer auto."
ISSO É EXTREMAMENTE ÚTIL PARA QUEM QUER VIAJAR DE CARONA PELA ARGENTINA! NÃO DEIXEM DE LER O POST DESSA VIAJANTE!

Brilhante! Segui os passos e logo na saída de Buenos Aires, sem esperar muito, consegui uma carona com pessoas muito queridas que me levaram até Rosário, onde curti uma festa muito undergroung!

Segui viagem para a autopista e tive a sorte de que um homem parou e disse:

- Bom, não posso te levar hoje, mas posso te levar amanhã para perto de Córdoba, em uma cidade que fica a 140km do seu destino. Vamos para minha casa, descanso umas horas e assim seguimos viagem.

Não havia como recusar, né?! Na casa dele fui muito bem recebido pelo entusiasmado homem que tinha uma admiração absurda por mochileiros e suas histórias. A esta altura do campeonato eu já tenho algumas histórias no meu repertório de mochileiros e consegui oferecer uma boa conversa ao homem e seu filho, que com muita bondade me alimentaram e me deixaram a vontade para ter uma boa noite de sono (mesmo que por poucas horas) e afinal, um bom banho.

No dia seguinte seguimos pela estrada tomando mate. O problema é que eu não sou super acostumado com o mate e passei muito mal no caminho, o que refletiu forte no meu caminho adiante. Fernando me levou até a saída de Villa Maria e dali comecei meu ritual para pegar carona.


O problema é que não estava tendo muita sorte em várias tentativas de vários modos. Estava fazendo dedinho de carona na estrada em um lugar onde os carros/caminhões passavam, mas ninguém estava parando. Ia no posto de esquina e tentava falar com a galera, mas o movimento era muito pouco, por ser feriado no dia seguinte (estávamos em um daqueles combos de fds seguido de feriado) e por ser uma cidade bem pequena.

Um homem disse que eu estava em um ponto que não era bom para pegar carona e me deixou em uma outra saída da cidade. Lá em pouco menos de uma hora apareceu um carro com alguns jovens muito bacanas e empolgados por estar ajudando um mochileiro. O problema é que eles me deixaram em um ponto muito longe de tudo. Estava sozinho pedindo carona no meio do nada, adentro da BR e sem uma sombra num calor de quase 50 graus. Sem comida, sem água e com o estômago zuado. Genial.

Este sim posso dizer que foi um perrengue forte. Não havia nenhum posto em um raio de 40km, não havia casas, nada. O que eu tinha era apenas uma subidinha no meio da rota em que os carros davam uma reduzida na velocidade para seguir. Teve horas em que me desesperei e me arrependi em não ter saído com barraca porque na pior das hipóteses eu poderia acampar em algum lugar e seguir minha viagem a pé os 100km que me restavam.

Se você quer entrar em uma empreitada parecida com a que estou fazendo, aí vai uma dica de ouro que só tive ciência quando estava na merda: viaje com uma barraca e resolva seus problemas. Além do que, nessas de viajar pedindo carona, tenha algo para comer e água! Isso garante a sua sobrevivência em partes. Ao menos não vai morrer de insolação e nem de fome/sede!

É amigos, vida de mochileiro também tem seus problemas! Eu definitivamente não tinha outra opção senão fazer o que já estava fazendo já fazia 4 horas. Mandar ver no dedinho da carona.

Pulei, mexi os braços feito um idiota, pulei, toquei violão, subi em cima da mochila e fiz até plaquinha, mesmo sabendo da probabilidade baixíssima desta técnica. Eu não queria aceitar a ideia de ter que andar uma pá de km a pé, ainda mais quando sem comida e sem água. Eu poderia tentar algo com os fazendeiros locais também, mas decidi persistir no dedinho. Pra ajudar, o lugar onde eu estava não passava muitos carros. Nessa subidinha em especial passava um carro em 5 minutos!

Continuei firme. Tonto, torrado pelo sol, mas sempre fazendo o possível para manter a energia. Quando por sorte, depois de 4:30 de pura reflexão, um carro para.

Nesse carro, havia dois loucos de LSD muito gente fina! Os caras eram muito gente fina e no meio da conversa pelo caminho, me convidaram para ir com eles para Copina, e não para Córdoba. Disseram que no outro dia daríamos um jeito de me mandar pra rota de novo e boa. Assim que chegamos no lugar, fiquei impressionado. Um lugar maravilhoso em cima das montanhas!

Além da dupla dinâmica, Dario e Ramiro, havia um grupo de umas 20 pessoas! Só gente bonita! Galera muito firmeza que me deu de comer e que foram muito brothers todo tempo. Eles estavam em Copina pra praticar este esporte:


Este é exatamente o lugar onde eu estava! Copina! Chegam a pegar 80~100km/h no longboard!

Insano, né? Tinha um cara de descia toda o caminho da montanha sem proteção alguma, na moral mesmo. O pico é muito conhecido por ter muita gente que morreu lá justamente por ser um lugar muito propício a esportes radicais.

Essas pessoas não imaginam a consideração que tenho por elas.
Tomei banho de rio, comi bem e finalmente dormi. Todos estavam festejando, mas eu não podia continuar, estava podre. Os dois últimos dias foram muito pesados nesse lance de rodar 700km pedindo carona. Cordiais como sempre, me arranjaram um lugar massa pra dormir e ainda me acordaram pra rangar. Dormi o sonho dos deuses. Estava fedendo fumaça (porque toquei violão na frente da fogueira antes de apagar), estava todo queimado, mas estava muito feliz. Estava em cima das montanhas vendo um céu estrelado maravilhoso e feliz por ter conseguido chegar onde cheguei.

No dia seguinte peguei um ônibus barateza que me levou até a linda Córdoba capital. Uau, parecia mais fácil chegar ao Alaska que em Córdoba, mas cheguei :)

8 comentários:

  1. Parabens Barto, voce escreve muito bem e me diverti bastante lendo suas historias., Incrivel como vc reagiu positivamente com o cara com cara de - - .! Nossa!

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    1. Bibe querida, muito obrigado! Sim sim, tento sempre ver o lado bom das situações! :)

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  2. Oi Guilherme! Felicitaciones por tus viajes, tus relatos y experiencias son muy entretenidos. Te deseo todo lo MEJOR e acompanhando!

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  3. Oi cara gostei dos teus videos e tals... gostaria muito de entrar na wwoop ,se tiver contato por favor 27 981504988... queria tirar duvidas agradeco desd de ja.. obrigado

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  4. Oi! Adorei o post, muito interessante, concordo plenamente na parte de que devemos tirar algo de bom mesmo quando estamos passando por tempos difíceis como você passou, estou planejando minha primeira viajem sozinha pela workwayinfo.com
    O que me incomoda mais é exatamente a confiança, como saber se o host é confiavel e até que ponto vale a pensa cometer o risco, as possibilidades de viagem como volunturista é encantadora, não apenas pela acomodação e alimentação em troca de trabalho, mas principalmente pela experiência de se conectar com pessoas que você nunca viu na vida, eu realmente espero que minha primeira experiência seja boa, estou pensando em alguma fazenda no canadá! Boa sorte nas trips! Continue escrevendo!

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  5. Olá, muito comovente a sua experiência com essas pessoas,concordo com você, essas pessoas são completamente despreparadas para este tipo de programa. Eu gostaria de saber se a WWOOf, não toma providências, essas pessoas são adivertida se continuarem explorando as pessoas? alguém sabe de algum caso em que a familia é cortada do programa? Você é um guerreiro, parabéns pela sua coragem. Eu estou me preparando também para fazer voluntarismo. Mas tenho medo, sou mulher e vou sozinha. um abraço.

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