Depois
que o inquilino do diabo se foi, minha vida se tornou mais tranquila
e também mais organizada. O engraçado de ter uma rotina de trabalho
em outro país, é que justamente você passa de turista a mais um
cidadão trabalhador.
Todos
os dias eu despertava, fazia os tiramisus, ajudava o Victor com as
coisas do hostel e mais tarde saía para vender. Até o Parque
Sarmiento são 4 km e nesse trajeto eu passava cumprimentando o
boliviano que vendia verduras, o chinês do supermercado, a senhora
argentina que me vendia o creme vegetal e me dizia “Suerte!” toda
vez que passava. Também cumprimentava um argentino engraçado que me
dizia “BONJOUR!” em voz alta, sempre rindo, porque antes pensava
que eu era francês e mesmo depois que disse a ele que era
brasileiro, a piada continuava muito boa e fazia do meu caminho ao
trabalho sempre muito divertido.
Eu
dividia o quarto com um argentino e na casa haviam dois irmãos
argentinos de Jujuy, uma chilena e uma argentina. No hostel em
dezembro havia pouca gente de fora mesmo, assim que muitas vezes
parecíamos uma grande família. Em uma festa de aniversário de um
amigo chamado Cláudio, fiz uma grande chocotorta e durante a noite
fiz caipirinhas de limão, morango, kiwi, abacaxi e de misturas como
morango+kiwi e limão+abacaxi, além de mojitos. A festa estava linda
e havia drinks típicos do Chile como o Pisco, da Argentina como o
Fernet, fora os drinks do Brasil. Não bebo, mas tomei um gole do
Pisco e do Fernet e como opinião de quem não bebe só posso dizer
que não achei nem ruim, nem bom, e sim que depois de anos sem beber
que álcool é forte pra cacete e não sei como as pessoas conseguem
tomar tanto disso! HAHAHAHAHAHA uma opinião um tanto quanto
diferente para quem me conhece já tem bons anos né?
Chapei o melão dos gringo |
Uma
curiosidade a respeito da Argentina é que NÃO TEM PIZZA DOCE AQUI!
Quando perguntei uma vez para uns amigos em uma pizzaria em La Plata
“E aí galera, vamos pedir uma pizza de chocolate com morango
agora?” todos cagaram de rir e ainda uma guria me disse “Ah é
que no Brasil tem pizza doce??”, podem acreditar numa dessas? E
depois que disse que era verdade, ainda fizeram cara de nojinho
tentando imaginar! O drama da pizza doce só acabou quando mostrei
fotos e eles salivaram! Que coisa louca, né? Justo num país onde a
pizza é tão aclamada, não tem pizza doce tsc tsc tsc. Fica aí a
dica de empreendimento!
Moramos
perto, mas tudo é tão diferente que quando estamos na Argentina,
parecemos ET's. Coisas como kioskos, locutorios, vestimentas,
músicas, baladas... tudo muda! Para quem passa correndo em viagens
de 10 ou 15 dias, não conseguem apreciar os detalhes, é coisa para
se descobrir vivendo dentro da sociedade em outro país. Em geral as
mulheres se vestem de uma maneira muito diferente das brasileiras. As
argentinas usam menos maquiagem e menos acessórios. Isso achei
massa! Mas está de moda por aqui um sapatão enorme com plataforma
chamado “Sandalia franciscana” que não consigo achar bacana.
Enfim, tirem suas próprias conclusões:
;/ |
Sou
um daqueles caras bizarros que curtem pés de mulher, então esse aí
acaba com todo o charme, é um bagulho MegaZord pro meu gosto.
Quando
eu cheguei na Argentina, falava um portunhol feio e uma vez fui pedir
uma colher a um amigo e obviamente, como qualquer pessoa que não
manja nada de castellano, pedi assim:
-
Hay una colher?
Aí
descobri que a palavra colear significa, literalmente, FODER.
Portanto, lição número 1 quando for a Argentina, não esqueça que
colher é cucharra e assim
você não passa vergonha.
Algo que muda bastante do Brasil são os preços dos sucos de caixa.
Não sei porque diabos no Brasil pagamos valores como 5 reais por um
suco de caixa (beleza, deve ser pela quantidade ridícula de impostos
que pagamos). Aqui na Argentina cheguei a pagar 10 pesos por um suco
de caixa FERA, o BC, meu favorito. Um como este no Brasil não sai
por menos de 6 reais, tranquilo.
Quero muito descobrir o motivo pelo qual apesar de estamos muito próximos, não temos praticamente nenhuma influência dos hermanos no Brasil em questão musical. Na Argentina, Chile e Uruguai se escuta muita música brasileira. Desconfio que se escuta mais música brasileira que americana. E principalmente, se escuta MUITA música em espanhol. Não é difícil escutar nas ruas músicas americanas, mas o volume é consideravelmente menor se comparado ao Brasil.
No Brasil temos muita influência yanke e não temos dos hermanos,
então o lance do idioma não tem nada a ver. Se alguém tiver
resposta para esses mistérios, que por favor o comente! Nessa viagem
conheci bandas muito boas como: Soda Stereo (ARG), No te vas a gustar
(URU), El cuarteto de nos (URU), Chancho en pieda (CHI), Bersuit
Vergarabat (ARG), Andre Calabares (ARG), Calle 13 (Porto Rico). Boas
dicas aí para quem quiser conhecer algumas bandas bastante escutadas
na América Latina. Aí seguem alguns vídeos para facilitar, com
dicas de algumas músicas:
No hostel em Córdoba conheci um grande homem. Uma daquelas pessoas
super inteligentes e genais que fazem a gente pensar. Carlos, um cara
de quase dois metros de altura, cantor de tango e professor de
filosofia. Muitas vezes me questionei, em relação a música, se meu
timbre com registro grave poderia conquistar bons méritos um dia e
foi o Carlos que me mostrou que adaptações com alterações de tom
podem ficar belíssimas em tons graves. A maior parte do repertório do tango clássico é composto de músicas bem agudas e Carlos mostrou o brilho das notas baixas.
Quando falei do meu blog, ele me perguntou o motivo do “Ermitão”
e confesso que fiquei meio sem jeito de responder, porque pode não
parecer, mas é uma pergunta bem íntima e por mais óbvia que seja
fazê-la a mim, autor do blog, nunca alguém o havia perguntado.
Creio que a essa altura do campeonato devo aos meus leitores, também,
uma pincelada do conceito do ermitão.
Se tem algo que muda nosso conjunto de importâncias e a maneira como
gerimos nossa vida, é a nossa concepção de mundo. Como imaginamos
que a coisa funciona e a verdade a qual aceitamos para nós. Algumas
pessoas pensam que é exagero dizer que não beber, não comer carne
e não ter uma religião ou alguma crença com um conjunto de valores
pré-definidos ou escritos, mas isso te coloca em uma posição
desconfortável quando estamos vivemos em tempos do produto criado
por anos de ser humano e de sociedade. Considero que esses que vivem
nesse espaço desconfortável da sociedade (não exatamente os que não bebem e não comer carne), tendo em vista o
comportamento louco das pessoas em relação ao conjunto em geral,
nós, que nos movemos e somos os que trabalham, fazem tudo certo, os
que constroem uma família e repetimos tudo o que somos de forma
livre, controlados pelo sistema, são ermitões, mas ermitões
contemporâneos. O motivo do contemporâneo é porque estão isolados
em pensamentos a respeito do mundo em suas cabeças, mas estão
dentro da sociedade, mantendo esse paradoxo de estar presente e ao
mesmo tempo não estar. O lance do ermitão é porque essas pessoas se sentem isoladas nessa chuva de ideais compostos pela sociedade. Infelizmente são ermitões porque, em geral, não fazem parte do grosso da sociedade e então algumas vezes permanecem sozinhos em seus pensamentos.
Não considero pessoas mais evoluídas e tão poucos melhores que os
demais, são apenas pessoas que se questionam. Dizer que alguém é
mais evoluído é egoísta, pesado e até pré-potente. Portanto, Carlos,
como um bom filósofo, era ermitão também e por aborto do destino,
ele usava o mesmo conceito de ermitão para definir a metáfora. Já
comentei alguma vez, em algum post, que nesta viagem estou
encontrando algumas pessoas que são como guias espirituais a mim.
Poucas pessoas que apareceram e que no momento em que interagiam
comigo, de certa forma colocaram a pulga atrás da minha orelha e que
alteraram algum rumo na minha vida. O hippie de Buenos Aires, esse
portenho cantor de tango, a boliviana e uma senhora francesa que
encontrei no Chile fazem parte deste time, de maneiras
complementares. Fale com quem te ajude a conhecer a você mesmo sem
te julgar, com essas pessoas sim se aprende muito.
Carlos era tão brother que gravei todo o show dele numa casa de
tango. Ele estava mudando de vida, saindo do agito da cidade portenha
para viver nas montanhas de Córdoba, com vida mais tranquila e com
um toque mais natureba. Ele fazia boa grana com o tango nesse lugar e
ainda ia ao parque vestido de palhaço vender aqueles bichinhos que
fazem com bexiga, sabem? Isso enquanto sua mulher vendia cookies no
parque. Demais! Admiro a independência dos dois, são pessoas lindas
e muito honestas.
Como
a grana estava entrando legal, me dei ao luxo de fazer algumas
viagens pelos pueblos de Córdoba e um dos lugares que mais curti foi
Capilla del Monte. Como alguns amigos sabem, sou muitíssimo
interessado pelo lance dos extraterrestres. Mas muitíssimo mesmo! Do
tipo que sabe todos os principais casos fortes do Brasil e tudo mais.
Na minha sucinta pesquisa de destinos para conhecer, descobri Capilla
del Monte. É chamada “a capital do ET na Argentina”. São
inúmeras as histórias de avistamentos, então obviamente eu teria
que dar uma passadinha por lá.
O
valor da passagem para 120km é (ou era – sabe lá com essa
inflação louca) 50 pesos, ou R$ 15. Ao chegar em Capilla, fomos
(eu, Cláudio(ARG) e Gabi(CHI)) recepcionados por três lindos
cachorros de rua enquanto estávamos nos abrigando por causa da
chuva. Alimentamos eles, fizemos carinho e pronto, havíamos feito
grandes companheiros para toda a viagem!
O
dia estava meio chuvoso e para passeio nas montanhas fica um pouco
xoxo o programa, mas insistimos um pouco e mesmo com o tempo fechado,
a chuva finalmente parou. Seguimos buscar alguns pontos interessantes
da cidade que é bem pequena e não sei explicar exatamente, mas a
energia do lugar é muito diferente. É uma energia boa que está aí,
no ar. Muito diferente... bom não sei.
É
engraçado que a cidade toda tem essa temática ET! Em todos os
lugares vendem aliens em miniatura, camisas de aliens, etc. O lugar é
tão famoso pela energia que até algumas casas da região são
construídas em formato de bola para que a energia faça não sei
que-não sei que lá dentro da casa e algumas piras com energia que,
como vocês puderam notar, não sei direito, só sei que chamávamos
de “casa do goku” porque de fato eram muito parecidas com as do
Dragon Ball.
Saí
com planos de acampar lá, mas só com o saco de dormir, mas segundo
o dono do hostel, se podia dormir numa paróquia lá que a galera
deixava susse. Mas infelizmente ao longo do dia não tive a moral de
embarcar na aventura porque passaria a noite sozinho lá e voltaria
no dia seguinte de carona. Fui cagão e não o fiz, agora resta o
lamento por aqui hahahahahahaha
No
caminho encontramos uns hippies, entre eles um brasileiro de São
Paulo que mora lá já tem 8 anos. Como muitos outros brasileiros que
conheci aqui que moram já tem tanto tempo na Argentina e tem tão
pouco contato com o nosso país que já se confunde todo na hora de
hablar português, uma comédia, só vendo! Eles nos indicaram que
para chegar mais rápido ao Cerro do Uritorco poderíamos invadir uma
propriedade privada e cortar caminho cruzando ela. Perguntei se não
dava nada e aí ele disse que era só correr quando visse a polícia!
Legal! Não pensei duas vezes! Na Argentina, numa cidade de ET,
invadir uma propriedade privada para cruzar caminho só acentuava o
ar de aventura e eu me sentia como no filme dos Goonies!
Seguimos
estrada adentro e chegamos justo ao ponto inicial do delito: uma
placa que marcava “PROPIEDAD PRIVADA”. Entramos ali e passamos
por lugares com uma bela vista e felizmente a polícia não deu as
caras. Na verdade não vi uma polícia naquela cidade, por mais
incrível que pareça, mas também não creio que ali necessite...
tudo parece tão calmo.
Chegamos
na entrada do Cerro Uritorco mas fomos barrados por um fator
econômico fortíssimo:
Não
pago $ 130 pra subir um morro nem a pau, Juvenal. Na verdade até
pagaria, mas acabamos nos perdendo nas direções e pegamos esse
ônibus que comeu uma boa grana, porque na verdade o esquema seria
pegar um trem até certa parte e de lá seguir de carona, mas acabou
que nos folgamos, perdemos o trem e bom, aí não restou grana.
Planejamento é importe, não esqueçam!
Nos
contentamos em subir uma pequena montanha próxima ao Uritorco que
também era muito linda e tinha uma visão de tirar o fôlego. Saca
só:
Os
cachorros nos seguiram até em cima das montanhas! Super
companheiros! Quando estávamos em cima do morro, senti pela primeira
vez uma sensação de liberdade absurda. Em cima das montanhas, longe
de cidades, longe do meu país, da minha suposta segurança. Uma
coisa eu aprendi nessa aventura: somos muito mais poderosos que
pensamos. Eu não tinha ideia do meu poder como ser humano
independente! Uau! Estava fazendo uma viagem sem depender de ninguém!
Fazendo grana pelo caminho, me dando ao luxo de viajar legal! Viajar
de verdade! Conhecer o mundo de uma forma muito íntima com o
auto-conhecimento.
Muito
se fala a respeito do quanto uma viagem como essa muda nossa visão
de mundo, nos ensina muito. Jamais vou dizer que sou maduro e que
atingi um nível de maturidade bom. Somos tão complexos como pessoas
e existem tantas questões éticas, sociais e culturais que deixa
muito em questão a pergunta: o que é a maturidade pra você?
Acredito ser egoísmo considerar alguém maduro porque corresponde
aos seus pontos de vista. Não sei se consegui ser muito claro, mas o
fato é que dizer que sabe muito ou que é maduro é conversa mole,
não sabemos nada da vida e do universo e tentamos criar ilusões em
nossas cabeças nos convencendo que sabemos algo. Pouco profundo, mas
bem objetivo. Portanto acredito que melhor que achar que conhece
todos e tudo é conhecer a si mesmo, que acredito já sermos bem
complexos.
Quando
você se move por países, cidades, centenas e centenas de
quilômetros, fazendo seu dinheiro, não tendo que suportar ninguém
te dando ordens e confiante de que pode ir onde quer, com conforto,
mas com muita responsabilidade, planejamento e trabalho, você sente a liberdade que tem para mudar o seu próprio rumo. É questão de consciência. Quem é você? O que você você quer fazer?
Em
um momento em cima da montanha todos entraram em seus mundos. A
chilena começou a fazer yoga, o argentino se sentou para observar a
paisagem e pensar na vida e eu fiz o que mais gosto de fazer: música.
Comecei a tocar Guaranteed do Eddie Vedder porque essa música em
especial tem bastante a ver com o momento em que estou vivendo, então
digamos que posso pecar em alguns pontos na execução, mas o que
sinto na hora que em que estou fazendo esse som é incrível. Foram
poucos minutos de transe em grupo, mas toquei algumas músicas
olhando um paraíso no meio das montanhas e aí, somente aí, comecei
a perceber o quanto somos poderosos.
Garantido
O
conceito da sociedade clichê funciona como um buraco negro que tenta
engolir a todos. Vivemos, trabalhamos, pagamos impostos e nos
sentimos livres porque temos 30 dias de férias por mês. Criamos em
nossas cabeças que para viajar e vivermos, temos que ser ricos,
milionários. Fazemos parte tão afundo nesse sistema que dizer que
somos livres hoje é paradoxal. Não saí do sistema, não estou
vivendo sem o capitalismo porque seria acreditar em uma utopia, mas
aprendi a me mover por ele de uma maneira que não faça me sentir um
refém por completo. Que tenho vida e quem toma minhas decisões sou eu.
Outra
coisa que aprendi também foi: não esperar nada de ninguém. Sem
esperar nada das pessoas se vive mais tranquilo e menos decepcionado.
Somos complexos e esperar algo de alguém, extremamente compatível
com os nossos pensamentos é difícil. Aprendi a aceitar mais as
pessoas como são e não julgá-las pensando que meu conceito de
felicidade é o mesmo para todos. Mudar alguém é algo pesado a se
fazer. A mudança só é real quando parte da gente, com muito
auto-questionamento. Assim convivi em harmonia por onde passei. Mesmo
com pessoas que estão no Brasil. Não espero que meu pai vá me
mandar um e-mail de 30 linhas porque eu mando um pra ele, mesmo sendo
a primeira vez que ficamos mais de 4 meses separados por centenas de
quilômetros. Antes eu pensaria que ele é egoísta e não liga pra
mim. Hoje tenho a certeza de que ele me ama e que a forma dele
expressar carinho só não é compatível com a forma que eu gostaria
de receber. Ele teve uma vida difícil, o tempo fez ele ficar frio e
não cabe a mim esperar que ele seja mais expressivo e presente, cabe
a mim entender ele e evoluir a ponto de ser independente, livre de
rancor por esperar dele uma atitude que supostamente seria o “certo”
a fazer. Isso me fez entender a sociedade com outros olhos, assim passei a
entendê-la melhor e cobrar menos de todos. Para quem quer fazer
uma viagem como a minha, fica aí um dos grandes segredos: capacidade
de adaptação.
Quando
me dei conta de que muitas barreiras são “meramente”
psicológicas, resolvi continuar a viagem com a aventura que já
havia me proposto fazer. Eu precisava estar no Chile no dia 20 para
iniciar no meu trabalho em outro hostel e decidi fazer esta parte da
viagem de carona também. Mais 700km. Desta vez saí preparado.
Comprei frutas, dois litros de água e saí sorrindo pelas estradas com o dedão
esticado novamente.
Da
última vez tardei três dias para percorrer esta distância,
lembram? Mesmo tendo curtido festas, dormido na casa de gente bacana
e acampado dois dias nas montanhas, foram dias de viagem. Não sei se
foi minha confiança, mas nesse dia tudo saiu perfeito. Não esperei
mais de 20 minutos para me levarem.
Paguei
20 pesos para um micro ônibus me levar numa cidadezinha próxima,
Carlos Paz. Lá fui até a saída da cidade com algumas informações
e lá um homem de um ônibus disse que por 7 pesos me deixava na
próxima cidadezinha onde tinha mais possibilidades para pegar
carona. Lá esbanjei sorrisos e em poucos minutos parou Victor, um
argentino muito querido! Me levou mais de 200km, parando em lugares
bacanas da estrada para tirar fotos e também entrando em
cidadezinhas lindas pelo caminho para que eu pudesse conhecer. Por
causa dele conheci um pouco do que é Mina Clavero, uma das
cidadezinhas mais charmosas de Córdoba, pequena e muito particular.
Em
Villa Dolores paramos em um posto e de aí Victor seguiu sua viagem.
Lá com informações dos cidadãos eu fui seguindo até a saída da
cidade e lá parou um casal de senhores muito simpáticos, de mais de
70 anos cada um. Detalhe: mais de 90% das pessoas que me levaram tem alguma
relação com viajantes. Ou são amigos de mochileiros, ou tem irmãos
mochileiros, ou já foram mochileiros... quase sempre eles tem alguma
relação com algum louco que sai com mochila por aí no meio da
estrada.
Eles
me deixaram em um lugar literalmente no meio do fucking nada. A única
coisa que tinha era uma estação de polícia toda pichada com dois
canas lá, um deles dormindo e o outro comendo sanduíches enquanto
via o jogo do Boca Juniors. Perguntei ao que estava acordado se havia
problema fazer dedinho por ali e ele disse que era tranquilo. Ali
fiquei sentado em uma cadeira velha, só observando a pequena estrada
onde os carros passavam com pouca frequência. O terceiro carro que
passou, parou. Um cara da minha idade, com o carro CHEIO de coisas,
estava se mudando de Córdoba capital para San Juan. O louco não
tinha espaço nem para ele direito, mas não importa, era tão “buena
onda” que espremeu suas coisas para colocar minha mochila,
entulhamos um monte de coisas em cima das nossas pernas e depois de
acender um cigarrinho de artista, seguimos juntos por mais duzentos
quilômetros, sendo 130 deles só de reta, no deserto.
Sol
de 40 graus, vegetação desértica e uma reta que nos fazia sentir
como se estivéssemos parados no tempo. Nada muda e o sol forte
parece se intensificar cada vez mais. Tão forte que nos queimou de
uma forma bizarra, o braço esquerdo dele e o direito meu, super
bacana! Essa parte da viagem, mesmo com carona, foi bem pesada porque
o sol e o calor são tão intensos que te fazem passar mal. Sorte que
eu tinha os dois litros de água quase intactos! Há!
Ele
me deixou em um lugar bem complicado. Mesmo porque em mais 150km
havia o mesmo e ele não conseguiria me deixar em algum lugar melhor
que esse.
Bom,
eu parei numa rotatória no meio do deserto. Exatamente como me
descreveu Victor, o dono do hostel onde eu trabalhei em Córdoba. Um
lugar com sol forte, areia por todos os lados, árvores tão baixas
que não fazem sombra e um ar seco. Automaticamente pensei “Tenho
frutas e água, posso sobreviver dias aqui se precisar”
hahahahahahaha.
Into the fucking wild |
Minha
sorte é que 20 minutos depois, quando eu já estava zonzo e sem
muitas esperanças de sobreviver por mais 20, parou um caminhão. A
cultura da carona muda tanto de um país para outros que no Brasil eu
só viajei com caminheiro, enquanto aqui na Argentina eu só havia
viajado com carros. Um senhor muito amável estava super preocupado
por eu estar no deserto e com muita boa vontade me levou na saída da
cidade mais próxima, San Juan. Esse foi um ponto da viagem em que me
encontrava muito cansado e com medo de cair em mais um deserto.
Assim
verifiquei que a passagem para Mendoza era $ 150 e não pensei duas
vezes, paguei com gosto. Assim segui para Mendoza.
Infelizmente,
como não fiquei mais que um dia em Mendoza, não aproveitei nada.
Estava literalmente de passagem. Escutei muito sobre a província por
muitos amigos, mas infelizmente desta vez não pude conhecer. Como
estava com medo de ir de carona pro Chile pelo motivo de que é mais
complicado alguém cruzar um país com um desconhecido no carro, especialmente pela parte da fronteira,
paguei a passagem até lá que estava barata, $ 400 pesos.
O
caminho de ônibus obrigatoriamente cruza as cordilheiras e é, sem
dúvidas, o trajeto de viagem mais lindo por onde já passei. É
incrível a magnitude da beleza da natureza. Na fronteira nevou um
pouco e foi emocionante e de certa forma doloroso porque eu estava de
calção e camiseta D: Troquei de roupa porque um senhor me disse que
nessa época do ano não fazia tanto frio! Tudo bem, ele também não
esperava e se cagou de frio junto comigo, que dizia tremendo: “caraca
bicho, a neve é bacana, mas eu queria ter conhecido ela de uma
maneira mais confortável, te confesso hahahahahahha”. Estava
cagado de frio, mas de certa forma muito feliz. Cruzando mais uma
fronteira, um novo país, uma nova cultura e novas aventuras.
No
ônibus fiz um monte de amizades com senhores de todas idades acima
de 70 anos. Muitos
chilenos super amáveis que já de cara anunciaram que eu seria bem
vindo em seu país. No terminal de ônibus de Valparaíso uma senhora
pagou táxi para que eu pudesse chegar no hostel onde trabalharia.
Chegando cumprimentei os donos do hostel e já disse preparado que
tudo o que precisassem poderiam contar comigo e tive como resposta
caras fechadas e olhares curiosos, nada mais. Saquei dinheiro pela
primeira vez na viagem, fiquei puto com o quanto descontam pela
transação e aí fui comprar verduras e macarrão, meu “pão de
cada dia”.
Nos
verdureiros as pessoas já mudavam muito do pessoal da Argentina.
Confesso que na Argentina eu me sentia como privilegiado por ser
brasileiro, porque em geral, eles amam o Brasil e o fato de você ser
brasileiro já pode ser sinal de sorrisos e piadas. No Chile me
olhavam feio, riam de como eu falava de uma forma pau no cu e ainda
ficavam me olhando no mercado. Foda né? Foi um choque cultural sem
igual. Estava acostumado demais com os tratamentos calorosos dos
uruguaios e argentinos e aí levei um balde de água do Chile.
O Chile é caro pra muitas coisas, mas se tem algo que é muito barato são as verduras e frutas em geral, aí outra vantagem em ser vegetariano em uma viagem como essa (economia master sempre nos rangos com altas verduras gostosas!). Veja algumas fotos dos preços. Pense que 1 real vale mais ou menos 230 pesos chilenos. Clique para ampliar.
Como
sou muito expressivo e comunicativo, fiquei um pouco chateado porque
muitas das pessoas que conheci na Argentina foram nos lugares onde
eu interagia para comprar, perguntar, etc. Ali eu era tratado como um
incômodo, uma cebola na salada de frutas. Logo de cara pensei em
ficar pouco tempo porque os preços eram altos, a galera, em teoria,
não me recebia bem e estava me sentindo deslocado, digamos assim.
Sou
um cara muito insistente e não me dei por vencido, me convenci de
que julgar uma cultura toda por poucos dias era um grave erro e mais
uma vez a vida ensinou: seja paciente. Pouco mais de uma semana
depois da minha chegada, já me sentia mais acolhido pelos donos do
hostel, que faziam piadas a todo tempo comigo e diziam que eu era a
“alegria da casa”. Mesmo nos verdureiros a coisa mudou um pouco e
descobri que o chileno é mais tímido, mas quando se consegue a
confiança dele, é sinal de que vai ter uma boa amizade.
Viajei
para Viña del Mar e achei uma cidade linda e organizada, mas
Valparaíso sinceramente roubou meu coração. Viña é muito tipo
Miami, Punta del Este. Valparaíso é uma cidade suja, artística por
todos os lados, cheia de gente estilosa e cores por todas as partes,
com a melhor noite de todas, ficando em pé de igualdade com
Montevideo. As três melhores cidades que conheci até agora são:
Montevideo, Valparaíso e Córdoba. Buenos Aires também é muito
foda, mas gosto mais de cidades pequenas e charmosas.
Como
eu não bebo, não sabia até pouco tempo atrás que na Argentina e
no Chile não se pode beber nas ruas! Não estou falando em comprar
vodka com amigos e beber na praça, estou falando de não poder
comprar uma lata de cerveja depois do trabalho e poder tomar indo pro
ponto de ônibus. Por isso que um dos rituais que eles mais amam,
chilenos e argentinos, comprar cervejas e beber nas praias do Brasil.
Não sabia que eram tão rígidos com isso. Em Valparaíso esse tipo
de repressão gerava algumas situações interessantes. Fora do bar
não se podia nem sair com o copo de cerveja, mas dentro... dentro,
meu amigo... lá rolava de tudo.
Mesmo
não fazendo mais o tipo super doidão como antes era, me atrai o
ambiente onde pessoas estão fazendo o que querem, sem serem
controlados por ninguém. Extremista, bizarro e de certa forma
autodestrutiva, vejo uma beleza nesse contexto com essa pinta punk,
vejo liberdade, vejo dependência, vejo pessoas desfrutando do que
acreditam ser “liberdade”. Isso é sociedade, isso é doença
social, mas isso também é
o ser humano fazendo o que quer fazer, da maneira que melhor
aproveita, isso é prazer. Não gostamos que nos controlem porque
pensamos que isso nos destroi,
mas ao mesmo tempo, quando pensamos que estamos livres, nos
destruímos.
O
tempo passou e o Chile me amaciou, conheci ele e ele me conheceu e
agora somos bons amigos. Tenho minhas ressalvas com respeito a pagar
em tudo que tenha que ver com cultura, ter que pagar pelo ensino
super público PARA ELITIZAR O PAÍS
e algumas coisas mais, mas consegui aproveitar legal. Não tinha
espaço para fazer os tiramisus no hostel e acabei por decidir
conhecer um par de cidades no Chile e aí voltar pra Argentina, pra
Córdoba, pra fazer grana pra seguir minha viagem para Bolívia.
Um
dos meus programas favoritos em Valparaíso era sair com meu violão,
comprar umas frutas e ir até um mole, um pedaço de cimento que me
levava adentro do Pacífico e criava uma atmosfera de tranquilidade
que me deixava muito a vontade para tocar, cantar e deixar a música
me levar por horas vendo o mar gelado repleto de lobos marinhos que
disputavam de formas não tão amigáveis, uma pequena ilha de pedras.
Valpo
é uma cidade cheia de cachorros de rua. Nunca em minha vida havia
conhecido uma cidade com esse número de dogs. Antes eu ficava com o
coração apertado e tinha muita dó, mas o tempo passou e percebi
que a grande maioria dos dogs estavam gordos, felizes e bem
alimentados pelos cidadãos. Um dog inclusive me seguiu em um tour
com duas canadenses todo o tempo e descobri que perto do hostel havia
um homem que havia adotado ele e sempre o alimentava.
Pra
se ter uma ideia de como minha primeira semana foi uma merda, pessoas
do hostel foram roubadas, vi um incêndio começar num morro e cinco
minutos depois teve um acidente de carro envolvendo uma senhora justo
em frente ao hostel, além de estar chocado com o preço do
transporte e das hospedagens (mesmo que eu não tivesse que pagar).
Enviei
mais de 20 solicitações de couch surfing para sair com alguém,
homem ou mulher, alguém que quisesse sair comigo para me mostrar a
cidade. Uma pessoa me respondeu e de uma maneira ultra simpática,
confira:
Incêndio no morro |
Acidente feio envolvendo dois carros e um pedrestre |
Bom,
respondi assim:
Mas
queria mandar só uma foto, assim:
O
bom é que as mulheres que trabalhavam comigo no hostel eram super
gente fina e graças a Alexandra eu conheci a noite de Valpo, que
como comentei, é genial. Vale a pena!
Estava
muito preocupado com os dogs de rua porque em Valpo rola a maior
queima de verba pública
fogos do Chile. Sim, sou
daqueles que pensa que enquanto tiver gente que não tem o que comer,
não se queima grana do povo. O pobre no Chile paga imposto, não tem
grana pra pagar a faculdade pública e ainda tem que ver sua grana
explodindo no céu... e curtir isso. São questões que são
exageradas para quem só a ver a parte do “Mas pô, é lindo! A
galera tem que curtir”, mas quando se trata de um mínimo
pensamento social, já se tem mais sensibilidade a respeito do tema.
Em
Valparaíso conheci muita gente interessante de muitos lugares do
mundo. Conheci uma francesa aquariana de quase 70 anos que viaja
todos os anos por três meses sozinha, sem o marido. Por quê? Porque
ela curte viajar sozinha e se ele não gostar ele que procure outra –
palavras da própria. As vezes conversávamos 5 horas seguidas no
living. Sobre o que? Sobre vida, sociedade, culturas, jeitos e
maneiras, conceitos e paradigmas. Incrível. Nunca senti uma conexão
tão boa na conversa quanto com ela. De alguma maneira meu
psicológico entendeu que ela seria uma boa mãe para mim e quando
percebi ela já estava me chamando de filho. Preencheu algum vazio
que a muito tempo eu havia escondido em algum lugar bem fundo na
minha cabeça. Ao contrário do que pensei, não me desconstruiu ver
esse espelho, pelo contrário, vivi o momento da melhor maneira. É
genial encontrar alguém que vive do outro lado do globo que te faz
se sentir tão a vontade que parece alguém
da sua família.
Na
semana do natal conheci três portugueses que haviam recém saído do
Brasil, depois de ter estudado um semestre da faculdade em
Florianópolis. Como a situação em Portugal tá um lixo, dois deles
pensam em trabalhar no Brasil e o outro, que estuda direito... bom,
estuda direito né, aí complica mais na hora de trampar em outro
país.
Como
gosto muito de escrever de madrugada, era o único do quarto
acordado, usando o PC enquanto os portugas dormiam. Um deles começou
a falar algo incompreensivo e até aí tudo bem. Eis que o outro
portuga começou a falar coisas não entendíveis em algum idioma que
era longe de ser da língua do Manuel da padaria. Como se não fosse
bizarro o suficiente ter dois portugas hablando – coisas – a
portuga se junta a eles e por alguns minutos eu me senti em um
manicômio internacional.
Conheci
uma senhora russa muito amável. Ela teve sérios problemas no Chile.
As pessoas não tentavam entender ela, a roubaram e a coitada passou
maus bocados. Estava viajando sozinha, mas sem falar o idioma que
era, de longe, muito diferente do que é o russo. Se eu estou
aprendendo um monte nessa viagem, imagino o quanto ela deve ter
aprendido. No hostel onde estávamos todos a entendiam não
importando o quão difícil fosse comunicar algo. Uma mãe com muito
orgulho do filho que quis viajar sozinha para a América do Sul pela
primeira vez.
Também
conheci Meredith, uma americana de mais de 70 anos que viajava pelo
mundo todos os anos também, mas que neste ano estava sozinha porque
seu velhinho estava um pouco mal das pernas. “Ele é forte e disse
pra eu vir, então eu vim”, disse ela, sorrindo com sua bengala e
falando um espanhol com sotaque americano.
Meredith
tinha algumas particularidades.
Em
uma noite qualquer abri a porta do nosso quarto compartilhado com
mais 5 pessoas e aí estava ela, só de calcinha, sutiã e chinelas
vendo as estrelas. Talvez poético, mas nada muito sexy. Meredith era
muito brother, mas também um pouco fora da casinha. Ela não se
importava em sair de calcinha e sutiã pela casa em qualquer hora da
noite. Uma noite levei um puta susto ao encontrá-la no meio da
madrugada perdida procurando a cozinha para encher sua garrafinha
d'água. Escurão, cê vê uma véinha desnuda com uma garrafa na mão
e cara de poucos amigos. Não consegui acostumar as vistas, mas
confesso que ria sozinho ao lembrar dessa senhorinha.
Uma
outra mulher muito forte que conheci foi uma santiaguina que havia
recém terminado seu relacionamento de 15 anos, iniciados aos 21 e
que estava passando por uma reconstrução em sua vida. Tendo que
construir um novo mundo e esquecer que aquele em que estava desabou.
Mesmo nessa situação e com tudo mudando - casa, cabeça, cidade,
emprego – ela sorria todos os dias e me contava dos seus planos
para trabalhar na ilha de páscoa. Ela me levou até Santiago, me
apresentou a cidade e me levou no melhor ponto pra eu seguir pra
Mendoza de carona.
Estas
mulheres acima são exemplos em muitas coisas. Aprendi muito com
elas, sobretudo sobre independência e confiança em si mesmo. Fico
triste por ver tantos casais que prendem tanto a vida do outro que
fazem com que o relacionamento seja um tipo de compromisso rígido a
ponto de a individualidade ser malvista ao invés de necessária.
Imagino a real confiança desses homens que ficavam três meses sem
suas mulheres quando estas estavam saindo pra curtir a vida em um
momento em que eles não podiam, mas entendiam que era necessário a
elas e mais que tudo, deixavam elas livres porque realmente confiavam
nelas.
Fui
com uma suíça a Viña del Mar e fiquei curioso por saber como
funciona o seu país. Parecem em muitos pontos extremamente avançados
como por exemplo na esfera de poder, que não é centralizado em
alguém como um presidente e sim em um conselho com diferentes visões
de direita e esquerda. Posso ser um comunista xarope, mas este tipo
de governo me parece mesmo interessante quando se trata de medidas de
vários lados. Eu teria que estudar mais sobre a Suíça pra dar
alguma opinião mais concreta, mas até então me parece fantástico.
Depois
de um mês curtindo o Chile, em Valpo e Viña, chegou a hora de rumar
para Santiago curtir um último fds e aí seguir viagem. Depois de
trocar umas informações com uns mochileiros decidi cruzar a fronte
de carona. Essa parte merece atenção especial e vou deixar para o
próximo capítulo da minha incrível viagem de carona cruzando a
fronteira Chile-Argentina a pé ;)