terça-feira, 23 de outubro de 2012

Crônicas do Ódio – Desabafo no escritório

          Na última noite de trabalho, saí as duas da madrugada, estava cansado. As pessoas, os telefonemas, os cortes de verba e até mesmo o café terrível da máquina me irritava. Tudo me irritava. Assim que saí do prédio, mais uma vez tendo certeza de que minhas horas extras não seriam recompensadas, fui para casa e tive bons e saudáveis pensamentos.

Dormi pouco, minha cabeça havia sido tomada por recreações do meu subconsciente. No caminho para o trabalho, passei no boteco de esquina e comprei uma cerveja de garrafa e segui. Ao passar pela catraca, o segurança me olhou, olhou para a garrafa em minhas mãos e novamente me olhou. Sorri e disse:

- Bom dia, Seu Itamar!

        De vez em quando as pessoas traziam bebidas para a empresa, mas para dar de presente e confraternizar falsamente perante aos olhos corporativos superiores, sugerindo alguma noite para todos abraçarem o drink em supostas comemorações de afetos vazios. Ah o networking! Geralmente era algum vinho ou whiskey importados, algo que transcendesse status e futilidade, acompanhados por um sorriso arrogante. Eu estava com uma garrafa de cerveja em mãos, geladinha. Na fila do elevador um cara do mesmo andar que o meu se manifestou:

- E aí Gregory! Vai dar de presente para quem essa “iguaria”? – e começou a rir junto com mais uma meia dúzia.

- Vou dar de presente para a sua mãe, seu pederasta arrombado! – respondi alto, sorrindo.

Silêncio total. As pessoas em seus terninhos e roupas sociais engomadas empalideceram. Não era normal alguém revidar uma piadinha, por mais escrota que fosse.

        Dentro do elevador, silêncio. O meu andar era o último e eu e mais cinco pessoas descemos e rumamos cada um para suas respectivas mesas, o piadista inclusive. Não demorou para que os comentários tomassem as mesas. Pessoas apontando para a cerveja, gelada, em minha mão direita, rindo, comentando sobre a deselegância cometida pouco antes e fazendo o que fazem de melhor: fofocando pra caralho.

Ainda de pé, tirei um abridor de garrafa do bolso, e abri, lentamente.

‘Tssssssssssssssssssssssssss’

Conforme o barulho foi cessando, todos foram, um a um, olhando para mim. Rodney, o campeão do bullying corporativo soltou:

- Ihhh, ta fazendo showzinho!

Ele mal sabia que o show ainda não havia nem começado.

        Peguei a garrafa e comecei a beber. Gole a gole, as pessoas do ambiente familiar e corporativo, certos cada um em seu cerco saudável, dentro dos padrões da sociedade, chocavam-se ao observar o nível do foda-se no qual eu me encontrava.

Bebi tudo sem tirar da boca e terminei com os olhos lacrimejando por causa do gás. Ao fundo, minha gerente gritou:

- Pelo amor de Deus, o que ta acontecendo aqui? Quer me explicar, Sr. Gregory?

- Só um momento, por favor, sra Adriana.

Após proferir estas últimas palavras, coloquei a mão direita sobre o peito e, como em posição de amor a pátria, soltei um arroto magistral, daqueles que só aparecem em filmes. Após o urro gutural de pelo menos seis segundos, as pobres almas no recinto entraram em colapso. Uns riam freneticamente, outros esboçavam indignação total.

Peguei minha mochila e fui ao banheiro.

        Entrei no sanitário reservado para deficientes, fechei a porta e sentei na privada. Não tinha mais volta, agora que os tigres já haviam quebrado as grades, não haveria como sequer pensar em parar com o plano. O álcool entrara em minhas veias e trazia sensação de tranqüilidade.

Eu definitivamente não me sentia nervoso. Eu precisava muito disso. Eles também.

        Abri a mochila e de lá tirei os instrumentos necessários para tocar a ópera: Um capacete de futebol americano, um taco de beisebol de madeira maciça, meu velho mp3 com fones de ouvido e um apito. Coloquei o aparelho e o apito no bolso, os fones nos ouvidos e o capacete na cabeça.

Deitei o pescoço para trás e fechei os olhos.

Vi o céu azul, pássaros cantando e uma garoa fina caindo sobre mim, sobre meu capacete.

Ainda com os olhos fechados, segurei o taco de beisebol e apertei o play.

Dê play você também, amigo leitor. Escute comigo enquanto lê.

OBS: É apenas uma sugestão, mas você pode escutar qualquer música que te dê vontade de quebrar ossos.

A chuva engrossou, o céu se fechou e os relâmpagos começaram a cair. Abri os olhos.

        Levantei, abri a porta e saí do banheiro. Deixei a mochila ali, não precisaria dela mais.

O único cara que eu gostava e que me conhecia bem, levantou instantaneamente e correu para fora, dizendo algo que não compreendi. Cara esperto.

        Corri rapidamente até a porta, logo após o Carlos ter saído. A porta abria somente se alguém passasse o crachá magnético. Não escutava nada. A música estava altíssima, só via o pessoal horrorizado, com olhares perdidos, uns se entreolhando, outros me encarando. Vi todos os bundões me olhando, vi todos os valentões com olhar de raiva.

Vi todos.

        Coloquei o apito na boca e soprei. Um apito longo e ensurdecedor. Desta vez quem não estava olhando para mim, olhou. Vi pessoas pegando o telefone e começando a fazer ligações. Eu sabia que não teria muito tempo, mas digamos que... seria o necessário.

A intensidade do momento traduzia o valor imensurável.

        Como se fosse acertar uma bola de beisebol, dei uma tacada no alarme de incêndio. O vidro se quebrou e imediatamente o sistema começou a funcionar, molhando todos que estavam no andar. O bom de usar um taco desse calibre é que não precisa de muita força para fazer um belo estrago. Prático para quem usa, sofrido para quem leva. Após esta primeira investida, descansei o taco em cima do ombro. Um perfeito jogador, admirado por todos.

Pensei em apagar a luz, mas não.

Eu precisava ver tudo aquilo da melhor maneira. O cenário estava maravilhoso. Pessoas levantando sem saber o que fazer, olhares perdidos, e o que eu mais tinha gosto de ver: os otários que eu odiava, olhando-me completamente emputecidos e, também, sem saber o que fazer.

É uma situação complicada quando você vê um cara com um capacete de futebol americano e taco de beisebol em mãos logo em frente a saída, e o pior, com uma cara de quem quer fazer cagada.

        Quando vi o primeiro imbecil correndo em direção a porta, imediatamente dei uma tacada no sistema de abertura da porta. O curto circuito indicou que o que quer que pudesse abrir a porta, tinha azedado.

Show time!

        Eu era magro, mas com um taco em mãos fiquei gigante. Vi o Paulo fazendo um telefonema. Um maluco que não me descia, vivia implicando comigo toda hora. Chamava-me de vareta, caveira do thundercats e chassi de grilo pelo meu porte nada avantajado. Ele seria o primeiro. Caminhei lentamente até a mesa dele, o cara estava tremendo. Ainda falava no telefone. Olhei nos seus olhos, pude ver que a fonte de terror refletia em seus olhos verdes.

Dei uma pancada de cima para baixo, destruindo o telefone em centenas de pedaços.

Mesmo sem poder ouvir, sei que gritou. Seu rosto esboçando pânico, com a boca bem aberta, denunciava seu estado mental.

Puxei o taco do meio dos destroços rumo ao centro daquele rosto que me olhava tremelicando. Acertei em cheio no nariz. O sangue explodiu de sua face, fazendo com que vários pingos irrequietos caíssem por sobre a mesa, sobre a roupa e lambuzando a ponta do taco que o atingira. Pude sentir seu rosto afundando para dentro, ossos se quebrando. Caiu dormindo.

Que sensação maravilhosa!

        Pensei comigo mesmo “Que vontade de fazer isso mais vezes” e o melhor de tudo é que faria! Nada melhor do que poder jogar no fliperama quando a máquina está no FREE PLAY. As pessoas corriam desesperadamente de um lado para o outro, feito baratas tontas. Senti uma pancada nas costas e várias teclas voando.

Tinha alguém mais louco que eu no recinto.

        Olhei bem dentro dos olhos do João, um fulano enorme, que pesava uns 150kg e que vivia cagando na cabeça de todo mundo. Era gerente de uma das áreas e vivia cortando recursos das atividades, inclusive das minhas. Negociar com ele era uma merda. Sujeito arrogante que se gabava por achar que era melhor que todo mundo. Típico maluco que acha que tem um rei na barriga, sabe? Achava que era o fodão e agora estava lá, olhando-me com cara de bundão com um teclado pela metade em mãos. Será que ele pensou mesmo que um teclado iria me derrubar? Putz, não cheguei a pensar que me subestimariam a este ponto.

        Coloquei o taco em cima dos ombros, fazendo pose de rebatedor novamente e assim que João Gordão se virou para correr, acertei uma tacada perfeita no calcanhar. Um golpe meia lua, que começa de cima, vai para baixo e termina em cima novamente.

Que cena estupenda ver 150kg de puro ego se arrebentando no chão.

        Ficou ali mesmo, com as mãos no calcanhar, todo vermelho. Parecia um porco de terno. Ri alto, que show! Procurei meu próximo alvo e encontrei: Rodney. Muito sabiamente estava pegando o extintor de incêndio para me porrar. Arminha deveras capciosa, hã?! Assim que tirou a trava, veio para cima, apertando a alavanca e gritando feito um doente mental. Cheguei a pensar “Será que o maior dos panacas vai acabar com a minha brincadeira?”.

        Fui correndo por entre as mesas enquanto o cara despejava os jatos de água em minhas costas. Como era grandalhão e forte, ia mais devagar que eu, ainda mais com um extintor em mãos. Avistei um aparelho de fax que seria um projétil de grande ajuda. Parei ao lado da mesa onde o aparelho estava, deixei o taco de beisebol de lado por um instante, arranquei os cabos rapidamente e atirei na direção do Rodney. Ele defendeu com o extintor, mas não defendeu a tacada em sua orelha. Esta foi em homenagem a todos os bombados sem cérebro que conheço. A vocês, meus caros amigos bombados, fica aí minha grande admiração.

Mais um momento de êxtase. O taco moía o crânio, entrando uns bons centímetros antes de parar.

        Rodney caiu em frangalhos no chão, com a boca aberta, babando e o nariz sangrando. De longe, tinha sido meu melhor estrago. Levantei a viseira, olhei bem para o rosto deformado, levantei a viseira e soltei um vistoso catarro em sua direção. Este com certeza não se folgaria com mais ninguém, quem sabe no inferno.

        Minha cabeça estava a toda e, em meio as minhas tempestades mentais, as nuvens formavam a palavra CAOS. Os tigres estavam destruindo tudo e sanidade definitivamente era uma palavra inexistente no meu dicionário temporal.

        Três idiotas corriam em minha direção. Dois deles eu conhecia e garanto que eles estavam com tanta vontade me arrebentar quanto eu estava de massacrá-los. Um deles era baixinho, com um bigode enorme e óculos fundo de garrafa, o que eu não conhecia. Este corria com dificuldade, carregando em mãos um monitor, enquanto os outros dois vinham com um gabinete cada um. Excitado, arrebentei um monitor que estava próximo, como quem diz: “Venham!”. Eu havia deixado de lado a comunicação convencional, quem quer que tivesse assumido o controle não gostava de falar.

        No meio do caminho, o baixinho de bigode tropeçou em um fio de telefone e caiu. Bateu a cara no monitor que carregava e levantou a cabeça com o nariz sangrando e cara de idiota. Que cena patética.

        Três seria possivelmente um problema, mas dois era o mesmo que nada. O que corria mais a frente era um idiota do financeiro. Eu odiava todos os caras do financeiro. Odiava o departamento, as atividades, os controles, os analistas e todos que estavam naquela maldita área. Em todas as reuniões eram os caras que mais torravam o saco e ainda tinham fama de fofoqueiros, gente do pior tipo.

Gente do tipo que merece dar uma mordida num bife de madeira maciça.

        Para minha sorte era bem o cara que tinha comido minha ex mulher. Dênis, the penis, não era alto, mas também não era baixo e tinha porte de atleta, com pose de canário belga. Tinha ganhado este apelido justamente pela história com minha ex. Era o típico rapaizinho criado a leite com pêra e ovomaltine, o garotão da mamãe. Cabelinho meio moicano, daqueles moderninhos. Vivia arrastando o nariz pelo teto, o cara mais arrogante que já vi. O pai lhe deu o cargo que ocupava, deixando mais evidente o quão bosta ele era. Se tem algo que me irrita é ver gente que não merece ocupar cargo por indicação de família ou em troca de favor. Ele e minha ex mulher se mereciam, dois lixos.

        Não menos importante, o cara que vinha logo atrás era o Gerson, tiozão escroto do TI, estava ali por causa de uma reunião. Pena que marcaram no dia errado. Vivia engambelando geral, fazia de tudo para não trabalhar. Cagava e andava e ninguém demitia o filho da puta. Jogava baixo mesmo! Xingava os outros, cantava as mulheres nos corredores e ainda peidava nas reuniões. E ria ainda! Reza a lenda que era envolvido com alguma zica com pedofilia. Garanto que nem o dono da empresa sabia por que mantinham um sujeito como aquele.

        Denis the penis corria vigorosamente com o gabinete em mãos, levantando-o, pronto para me acertar de cima para baixo. Tentei desviar da pancada, mas o maldito me acertou no ombro. A pancada foi forte a ponto de me tirar um fone de ouvido.

- Te peguei, seu doente!

Dei uma cabeçada com o capacete nele, vantagem minha. Ele tonteou, mas não caiu.

        Enquanto o outro recobrava a consciência, tive de cuidar do Gerson. O tiozão corria agitado e levantou o gabinete, assim como fez o Dênis. A natureza estava pelo menos quarenta anos a meu favor. Desviei da investida e o acertei com tudo nas costas. O velhote foi de encontro ao colega que tentava voltar a si e ambos caíram no chão.

Dênis the penis, de quatro, com a bunda em minha direção. A vida dá voltas, meu caro.

Como se fosse rebater uma bola baixa, mergulhei o taco com toda a força por entre as pernas do, agora, Dênis no penis.

        Olhei um grupo de pessoas correndo para outro lado como que se preparassem para algo. Entre eles, meu chefe. Um sujeito que vivia cagando na minha cabeça mesmo quando não devia. Devia ter problemas sexuais em casa. Vi a garrafa de cerveja em minha mesa e lancei com toda força. Acertei em cheio na cara do sujeito. Uma garrafada dessa a uns 10m de distância certamente tinha causado um belo estrago, mas não pude ver porque o tempo parou.

        Escutei uma explosão às minhas costas e sabia o que significava. Soltei o taco, levantei a viseira, peguei um cigarro Camel em meu bolso, acendi e fiquei só observando, enquanto a polícia invadia o local. Ao menos uns 15 passaram pelo buraco imenso aberto no lugar onde estava a porta. Todos fortemente armados, cercando-me. Levantei as mãos em posição de rendido.

Game over.

        Olhei para toda a destruição que tinha causado. Os corpos no chão, a quantidade de eletrônicos destruídos, a sala toda molhada por causa do sistema anti-incêndio, o taco sujo de sangue e um grupo de pessoas me olhando completamente aterrorizadas. Faltou muita gente levar porrada, mas mesmo assim, valeu a pena. Os anos na cadeia passarão se arrastando, mas nada valeu mais a pena em toda minha vida que estes dez minutos repletos de insanidade.